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Caso Raphael Pereira: estágio em jornalismo, regulamentação necessária e urgente

Opinião | Autor: Prof. Gerson Martins* Jornalista - MTb 193/MS
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O episódio ocorrido em Campo Grande no domingo, 7 de setembro, ilustra de forma trágica, os riscos a que estão submetidos os “estagiários” de jornalismo. O fato denota uma irresponsabilidade generalizada, seja das escolas que ignoram ou fingem ignorar tais fatos, seja das empresas de comunicação que colocam pessoas despreparadas, inadequadas em atividade que os próprios não tem dimensão das responsabilidades e mesmo qualificação para tal. As discussões sobre o estágio em jornalismo atravessam alguns anos e até o momento não temos uma política definida e regulamentada a respeito. De um lado estão estudantes que reclamam a falta de prática nos cursos e, pior, um desencontro com o mercado de trabalho, de outro está a exploração de mão-de-obra barata e a expulsão dos profissionais do mercado. Nesta altura é importante esclarecer que o estudante de jornalismo falecido em Campo Grande em conseqüência de um acidente “natural” nas competições automobilísticas fazia um “frila” para um panfleto mensal que começou a circular na cidade para explorar economicamente uma atividade nova para Campo Grande, trazida pela paixão do atual prefeito pelas competições automobilísticas. O jornal, não revista como foi divulgado, é uma publicação mensal, formato tablóide, que nas primeiras edições publicava mais fotos do que textos, e está explorando anúncios publicitários de pequenas empresas em torno da inclusão de Campo Grande no calendário da competições da formula truck, stock car e outras “fórmulas” existentes no calendário da Federação Brasileira de Automobilismo. Ou seja, a morte do estudante foi uma tragédia, uma grande irresponsabilidade social, quando inúmeras vezes os professores de jornalismo repetem à exaustão em sala de aula sobre a “responsabilidade social do jornalismo”.

Efetivamente não podemos imputar culpabilidade à organização da competição ou mesmo aos responsáveis pela estrutura do autódromo. O fato foi objeto de reflexão durante toda a semana e, decisivamente, concluiu-se que nenhuma profissional de jornalismo, da fotografia coloca em risco sua vida de forma inconseqüente. Os riscos, em todas as profissões, são calculados, dimensionados e, sobretudo econômicos, quer dizer, vale a pena submeter a tal risco pelos resultados econômicos desta ou daquela atividade? Contudo entre os estudantes esses riscos não têm a mesma medida. Não há uma avaliação madura e séria sobre todos as possibilidades de uma atividade. A pressão pelo “furo” jornalístico não inflige a qualquer profissional, riscos desmedidos. Há um exemplo que se transformou num signo no jornalismo e que, poucos dias antes, esteve em Campo Grande realizando uma conferência para estudantes de jornalismo na 2ª Semana de Jornalismo de Mato Grosso do Sul, representado na figura de José Hamilton Ribeiro, vítima de uma mina durante cobertura da guerra no Vietnam.

Vamos aos fatos que denotam o despreparo para a atividade do estudante de jornalismo. O equipamento utilizado. Uma pequena câmera digital de alcance limitado, a exemplo de uma cibershot ps75. Invasão da área de risco, tapeando os fiscais do autódromo. Não tinha qualquer preparação, treinamento para realizar trabalho fotográfico. Esses fatos são suficientes para entender que o estudante não possuía condições para o trabalho. No entanto estava lá. Foi “contratado” como “estagiário” de jornalismo para fazer um “frila” e ganhar uns trocos. Sabe-se quanto! Não ganhou. Perdeu a vida!

Vamos agora a uma possível qualificação de fatos em conseqüência desse episódio: o estágio em jornalismo. A profissão por si só é um risco constante. Acompanhamos diariamente os perigos a que estão sujeitos profissionais experientes na cobertura diária nas editorias de cidades, segurança, saúde. Isso sem falar nas diversas coberturas de conflitos urbanos ou mesmo nos conflitos armados pontuados em todo o planeta. Todos que ingressam na profissão aprendem e conhecem durante todo o tempo da formação as vicissitudes da atividade jornalística. Na formação universitária esse prepara é processado durante quatro anos e, embora esse tempo, muitas vezes percebemos que não estamos preparados para enfrentar muitas situações que se colocam diante de nós no exercício profissional.

O estágio em jornalismo é importante, é necessário. Por isso em diversos estados os Sindicatos de Jornalistas preparam mecanismos e regulamentos que possam organizar o estágio. E ainda assim há questões polêmicas. A regulamentação passa por um convênio realizado entre a instituição que oferece o curso de jornalismo, a empresa que oferece a oportunidade de estágio, sob a supervisão do Sindicato dos Jornalistas. É um convênio tripartite. Que questão ainda polêmica está envolvida nesse convênio? A questão da segurança. Todos os profissionais contratados por uma empresa de comunicação possuem apólice de seguro de vida que dá cobertura durante as atividades profissionais. Será que a empresa que oferece a oportunidade de estágio pretende dar essa mesma cobertura ao estagiário? Evidentemente que essa característica deverá constar nos convênios firmados. Mas isso está efetivamente resolvido? A forma de minimizar os riscos e responsabilidades das instituições está na maturidade e na qualificação do “estagiário”. E isso em tese acontece quando o estudante está na fase final do curso, no quarto ano. Por isso também que todos os regulamentos de estágio em jornalismo preconizam como pré-requisito que o estudante esteja no quarto ano do curso. No curso de jornalismo o quarto ano corresponde à fase final da formação.

A situação real

A realidade atual do estágio em jornalismo é encontrada em inúmeras redações (impresso, rádio, TV, on line), onde verificamos estudantes de terceiro, segundo e até mesmo de primeiro ano realizando atividades concernentes aos profissionais. A exploração de mão-de-obra barata pelas empresas de comunicação desqualifica o mercado, fragiliza o produto e sua captação de recursos econômicos, principalmente pela qualidade do serviço oferecido à população. As instituições acadêmicas desconhecem quem dos seus alunos estão nessa situação. Não há qualquer preocupação na regulamentação do estágio. Os cursos ignoram o que seus alunos fazem, em jornalismo, além dos muros da escola. Nesse caso, muitas vezes, é melhor fechar os olhos e ouvidos. Não existe qualquer relação entre as escolas e as empresas de comunicação. As empresas com receio das críticas que possam receber das escolas, se fecham em torno de si e depois, de forma peculiar, reclamam que são obrigados a qualificar os profissionais formados por esta ou aquela escola, pois chegam despreparados nas redações. A perdurar essa dinâmica possivelmente teremos outras vezes situações como a que testemunhamos em Campo Grande no dia 7 de setembro.

Depois de inúmeras vezes discutirmos a questão, alguns direcionamentos se fazem necessários. É imprescindível que os estudantes de jornalismo busquem o Sindicato de Jornalistas de sua localidade. É imprescindível que os estudantes de jornalismo conheçam a legislação que norteia as atividades do profissional de jornalismo. Avanço ainda. É imprescindível que os estudantes de jornalismo conheçam o anteprojeto do Conselho Federal de Jornalismo e tenham, em seus artigos, um referencial para sua qualificação enquanto trabalhador de jornalismo. Aos formadores, aos professores de jornalismo e suas instâncias diretivas é imprescindível que se relacionem com as empresas de comunicação onde, de imediato, estarão os profissionais por todos qualificados. Também é necessário o envolvimento e a participação nas instituições de representação da classe, representada neste momento pelos Sindicatos de Jornalistas. Somente com o fortalecimento dos órgãos de classe do jornalismo poderemos prevenir e evitar que mais casos Rafael aconteçam. Às empresas de comunicação é imprescindível que sejam descentralizadas, ou seja, parem de circular em torno do próprio umbigo, pois seus atuais e futuros profissionais são oriundos desses cursos de jornalismo que inúmeras vezes criticam. Também é imprescindível às empresas que, em conjunto com os cursos de jornalismo e os sindicatos, promovam cursos de qualificação conforme as suas áreas de interesse. Cursos voltados para os estudantes e profissionais, a exemplo do que ocorre com o projeto Cátedra de Jornalismo desenvolvido pela Diretoria de Educação da Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ.

Infelizmente, de forma tradicional, é necessária uma tragédia para nos conscientizarmos da necessidade de equacionar questões urgentes na formação do jornalista, que simplesmente não podemos fechar os olhos e tapar os ouvidos e ignorar. É necessária uma intervenção imediata em todas as situações de estágio irregular em jornalismo, em todas as situações de exploração de mão-de-obra barata no processo de produção jornalística.

* Coordenador do Curso de Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá em Campo Grande e doutor em jornalismo pela Universidade de São Paulo, autor de "O poder na indústria midiática de Mato Grosso do Sul".


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